sábado, 7 de maio de 2016

A música de temática sertaneja dentro da Música Popular Brasileira

A música de temática sertaneja dentro da Música Popular Brasileira

sertão
substantivo masculino
  1. 1.
    região agreste, afastada dos núcleos urbanos e das terras cultivadas.
  2. 2.
    terreno coberto de mato, afastado do litoral.

A chamada Música Popular Brasileira, consagrada pela sigla MPB, não tem como temática principal o sertão, o campo, a vida rural e a vida interiorana. Compositores que utilizaram esses temas de maneira mais recorrente foram alijados da chamada MPB, sendo rotulados de compositores caipiras ou sertanejos. A MPB ficou mais vinculada à temáticas urbanas, praieiras, políticas e de questões amorosas. Mas vários compositores que não se vincularam à temática sertaneja se aventuraram em compor letras que abordavam ao mundo do campo, ao mundo do sertão.
A urbanização brasileira é um fato relativamente recente. Até a década de 1960, a maioria da população morava no campo e a quantidade de cidades era bem menor do que a atual. Nesse período, as cidades existiam para atender às necessidades das atividades desenvolvidas no espaço agrário e das atividades mineradoras, principalmente da cana-de-açúcar, do ouro e do café. Na década de 1970 o número de habitantes morando nas cidades foi, pela primeira vez, maior do que a população que vivia na zona rural.

Dessa maneira, grande parte da população urbana brasileira tem raízes rurais ainda muito presentes. Assim, muitos compositores urbanos da chamada MPB, que floresceu justamente nos anos 60, são frutos da primeira geração urbana do país, sendo que seus vínculos com a vida na roça ainda está muito próximo.
Nesse sentido, é interessante observar algumas canções compostas pelo mais célebre compositor do Brasil no período da chamada Bossa Nova, Tom Jobim. A Bossa Nova é para muitos um dos pilares da MPB. Fundindo samba com jazz, ganhou o mundo e teve em Antônio Carlos Brasileiro Jobim, seu maior expoente. Muito do que se produziu sob a alcunha da MPB teve como base sonora os acordes dissonantes da Bossa Nova. 
Tal movimento musical se notabilizou por louvar a praia, a cidade do Rio de Janeiro, cidade litorânea e moderna. Sua harmonia intrincada buscava a modernidade e não fazia referência nenhuma ao sertão e ao campo.
Mas Tom Jobim em sua obra nunca ficou limitado à chamada Bossa Nova. Jobim compôs sambas, sinfonias influenciadas por Villa Lobos e também por incrível que possa parecer, toadas sertanejas. O compositor foi caçador em sua juventude, onde teve íntimo contato com o campo, como pode ser observado na biografia escrita por sua irmã, Helena Jobim (Antônio Carlos Jobim). Conhecia a mata, os pássaros, os peixes. 
Tom foi um cidadão do mundo, teve residência em Nova Iorque e tocou pelo mundo. Conhecia obra de grandes eruditos, mas também teve grande interesse na oralidade e na cultura popular. No fim de sua vida foi um dos pioneiros à levantar a bandeira da ecologia. 

Gravado em Nova York em janeiro de 1973, Matita Perê é para muitos um divisor de águas na carreira de Tom Jobim. Ele estava com 46 anos e já era um nome consagrado no Brasil e no exterior, após o grande sucesso da Bossa Nova e o reconhecimento de artistas do porte de Frank Sinatra.

Os temas escolhidos por Jobim em suas composições passam da leveza e doçura, comuns nas canções da bossa nova com suas praias, barquinhos e garotas, para a natureza e lendas de um Brasil profundo, sertanejo. Ele compõe a partir de suas observações e da leitura de autores como Guimarães Rosa e  Mário Palmério,  mineiros que dedicaram sua obra literária, principalmente à vida sertaneja.
A música que dá título ao álbum, feita em parceria com Paulo Cezar Pinheiro é uma clara toada sertaneja. Com um sofisticado arranjo de cordas, com bela orquestração, veste uma simples toada, com uma letra delirante que descreve uma frenética perseguição de um bando de jagunços a um fugitivo. É praticamente uma toada psicodélica. Essa canção foi dedicada à Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrada e à Mário Palmério, sendo que este, tem em sua obra, Chapadão do Bugre, uma história que pode ter sido a inspiração dessa letra.
Dentre outras músicas que abordaram o Brasil profundo, pode-se destacar também Correnteza (Luiz Bonfá, Antônio Carlos Jobim). Gravada no álbum “Urubu”, em 1976, sendo seu décimo álbum, a canção já inicia com barulhos que remente a um rio e aos pássaros. Sua letra cita matas, rios, frutos e boiadas, pintando um belo retrato da vida sertaneja.

Chico Buarque também se notabilizou por letras urbanas. Famoso por canções políticas contra a ditadura militar, por desvendar o universo feminino e pelo seu lado sambista, em algumas canções, também soube explorar a verve bucólica.
Em 1977 compôs junto com outro grande compositor da MPB, Milton Nascimento, um clássico da música sertaneja, Cio da Terra. Descrevendo a vida do homem que vive da terra, entrou para o rol das músicas mais bonitas do cancioneiro popular. 

Foi regravada por inúmeros intérpretes e foi justamente uma dupla caipira, Pena Branca e Xavantinho que fez uma das mais belas versões.

Caetano Veloso também se compôs bela canção sertaneja. "Canto de um Povo de um Lugar" é de um lirismo bucólico encantador. A letra singela descreve a vida no campo de maneira poética. Gravada no disco "Jóia" de 1975, mostrou que Caetano é um compositor de grande versatilidade. "O Ciúme", canção  do álbum "Caetano" de 1987, tem o Rio São Francisco, no meio do sertão nordestino, como cenário para o autor faz amargas observações sobre o ciúme. Canção das mais belas do Baiano. 


Tais canções citadas são apenas alguns exemplos que mostram que o imaginário sertanejo, da vida no campo, também permeou a música popular brasileira, não apenas dos compositores que se notabilizaram por essa vertente (que injustamente são excluídos da mpb), mas também por autores de temática urbana. Canções com Disparada de Theo de Barros e Geraldo Vandré, Carro de Boi, de Maurício Tapajós e Cacaso, Morro Velho de Milton Nascimento, mostram que a recente urbanização no Brasil ainda deixou vínculos presentes com o imaginário popular urbano.

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